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13/03/2016 - Carlota Pereira de Queirós: a primeira deputada federal do Brasil

Médica rompeu limitações impostas pela sociedade da época e foi eleita pela Assembleia constituinte em 1933 e reeleita pelo partido constitucionalista em 1934

Ao andar pela Praça Califórnia, no Jardim América, Zona Oeste da capital paulista, é possível observar um monumento que homenageia Carlota Pereira de Queirós. Uma avenida no Jardim das Palmeiras, na Zona Sul, e uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), em Cidade Tiradentes, na Zona Leste, também têm o seu nome. Entretanto, nem todo mundo conhece a história desta médica brasileira, primeira mulher a ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados no País e na América Latina.

Carlota nasceu na cidade de São Paulo, em 13 de fevereiro de 1892. Proveniente de uma família de fazendeiros pelo lado paterno e de políticos pelo lado materno, destacou-se por ser uma mulher muito à frente de seu tempo. Ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e concluiu a formação na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (atual UFRJ) em 1926, com a tese “Estudos sobre o Câncer”. Por apresentar o melhor trabalho na área, recebeu o prêmio Miguel Couto.

O engajamento na política começou durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Considerada a primeira grande revolta no estado de São Paulo contra o governo provisório de Getúlio Vargas, reivindicava a promulgação de uma nova Constituição para o País e a convocação de eleições para presidente. Em meio ao conflito armado, a médica se envolveu na luta. Para atender os atingidos pelo confronto, juntamente com outras 700 mulheres, ela organizou o Departamento de Assistência aos Feridos.

Como analisa a historiadora Mônica Raisa Schpun no artigo “Carlota Pereira de Queiroz: uma mulher na política”, é naquele cenário imprevisto de guerra civil, que dura quase três meses, no qual os paulistas acabam lutando sozinhos contra o governo central, improvisando forças e munições, que as mulheres das elites têm uma chance única de exercício intensivo da cidadania.

E Carlota tornou-se uma liderança importante no estado. “Isso fez dela uma mulher conhecida, mostrando para a população sua garra e competência para liderar processos”, relata Schuma Schumaher, coordenadora da ONG Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh) e uma das autoras da recente obra “Mulheres no poder: trajetórias na política a partir da luta das sufragistas do Brasil”.

 

Assembleia Constituinte e reeleição

Por conta do prestígio alcançado na Revolução de 32, a Federação de Voluntários incluiu o nome da médica na relação dos 22 candidatos da Frente Única Paulista (FUP), na época uma aliança das duas frentes políticas mais importantes do estado para enfrentar o governo provisório federal.

Embora houvesse dificuldade de inserção na vida política, segundo interpretação de Schuma, a imagem de uma mulher que esteve na ponta do conflito e cuidou dos feridos sensibilizou as pessoas e muitas mulheres, que lutavam pelo direito à educação e ao voto. “Ao iniciar sua campanha com o manifesto ‘Mensagem da Mulher Paulista’, ela representava, naquele momento, toda a movimentação de mulheres”, reforça a autora.

Assim, dos 22 candidatos da chapa única, 17 foram eleitos, incluindo Carlota, que venceu nos dois turnos das eleições e foi empossada em novembro de 1933. No dia 13 de março de 1934, fez seu primeiro pronunciamento no plenário do Palácio Tiradentes, sede da Câmara dos Deputados e dos trabalhos da Assembleia Constituinte. Nos registros fotográficos da época, é possível observar a simbologia forte da única mulher parlamentar a sentar-se entre 253 deputados federais.

De acordo com relatos históricos, no processo constituinte, a médica participou da Comissão de Educação e Saúde, na qual elaborou o primeiro projeto para a criação de assistência social no Brasil. Com a promulgação da nova Constituição, se candidata pelo Partido Constitucionalista de São Paulo e é reeleita em 14 de outubro de 1934, para ocupar uma das 34 cadeiras da bancada paulista no parlamento.

Exerceu seu mandato até 1937, quando, por meio de golpe, Getúlio Vargas decreta o Estado Novo (1937-1945) e fecha todas as casas legislativas e extingue o sistema eleitoral. Afastada da política institucional, Carlota lutou ativamente pela redemocratização do País. Em 1942, foi a primeira mulher a integrar a Academia Nacional de Medicina; continuou com trabalhos voltados para as áreas da Medicina e da Assistência Social, além de ser autora de importantes obras sobre Saúde.

Com a queda de Vargas e o fim do Estado Novo, tentou retornar à Câmara nos pleitos de 1945, 1950 e 1954 pelo partido União Democrática Nacional (UDN), porém não se elegeu. Mais tarde, fundou a Associação Brasileira de Mulheres Médicas, da qual foi presidente de 1961 a 1967. Carlota faleceu na cidade de São Paulo em 17 de abril de 1982, aos 90 anos. Em 2003, seu nome inspirou a criação do Diploma Mulher Cidadã Carlota Pereira de Queirós, instituído pela Câmara dos Deputados. Todos os anos, o título homenageia cinco mulheres que lutam por equidade de direitos entre os gêneros.

Matéria publicada na Revista da APM - edição 675 - março 2016